Conhecido com o mais importante evento de música pop da história, " a Feira de Música & Arte Woodstock " foi também o ápice do movimento de contracultura que se espalhou pelo mundo, e cujos ideais permanecem vivos na internet.
Público no Festival Woodstock |
Ninguém esperava tantas pessoas. Foram vendidos apenas 186 mil ingressos, mas o evento acabou sendo gratuito. As estradas ficaram congestionadas e não havia infraestrutura para acomodar as pessoas. Mesmo com todos esses problemas, foram registradas apenas duas mortes: uma por overdose e outra por atropelamento.
Embalados pela música folk, blues e rock, jovens tomavam banhos nus na chuva, brincavam na lama, meditavam, usavam drogas - LSD e maconha, principalmente - e faziam sexo em barracas. O clima libertário do evento virou símbolo da cultura hippie e da geração "Paz e Amor".
Guerra do Vietnã
Para entender a cabeça da juventude daquele tempo, é preciso examinar o contexto histórico, político e cultural da década de 1960, que começou com a chegada ao poder do democrata John F. Kennedy (1917-1963) nos Estados Unidos.
Era o auge da Guerra Fria e da corrida armamentista que opunham os dois maiores blocos militares e econômicos da época, os Estados Unidos e a antiga URSS (União das Repúblicas Socialistas Soviéticas).
Em solo americano, ganhavam força os movimentos pelos direitos civis dos negros, que não podiam frequentar os mesmos bares, clubes, escolas e ônibus que os brancos, tendo à frente líderes como Martin Luther King (1929-1968).
Guerra do Vietnã |
Contribuiu para isso o fato da guerra ter sido a primeira a ter cobertura na TV, então substituta do rádio como principal veículo de comunicação de massa nos lares americanos. As imagens de americanos feridos e de crianças queimadas com napalm (espécie de gel inflamável a base de gasolina) mobilizaram a opinião pública contra os conflitos na Ásia.
Contrários à guerra, os hippies usavam cabelos compridos, roupas coloridas e praticavam o protesto pacífico de Mahatma Gandhi (1869-1948). As manifestações, que caracterizaram o movimento como flower power (poder da flor), tomaram conta de diversas universidades e, pela primeira vez, jovens americanos se recusaram a se alistar no Exército.
O ponto alto da revolta estudantil ocorreu em maio de 1968 , quando uma greve geral na França inspirou protestos na Europa e nas Américas.
No Brasil, vivia-se a antevéspera do período mais truculento da ditadura militar (1964-1985) com o decreto do AI-5, mas isso não impediu a influência dos hippies, sobretudo no Tropicalismo, movimento cultural que teve como expoentes Caetano Veloso, Gilberto Gil, Tom Zé e Os Mutantes, entre outros.
Esse ambiente político também produziu uma das imagens mais marcantes do Festival de Woodstock: o guitarrista Jimi Hendrix tocando o hino nacional norteamericano The Star-Spangled Banner ("A Bandeira Estrelada"), com notas distorcidas e pontuadas por sons que simulavam a queda de bombas.
Sexo, drogas & rock'n'roll
Mas a revolução que acontecia em meio à tradicional família americana não era menor do que a que tomava conta das ruas do país. Era inaceitável, para a sociedade puritana da época, o sexo antes do casamento, tampouco a ideia de "morar junto".
Nas universidades, o controle também era rígido, com "toques de recolher" e vigilância em prédios separados para estudantes do sexo feminino e masculino (situação bem retratada no último romance de Philip Rorty, Indignação).
O início da comercialização da pílula anticoncepcional e os movimentos feminista e homossexual nos anos de 1960 foram importantes elementos da revolução sexual promovida pela cultura hippie.
Outro componente da mudança nos costumes foi experimentação de drogas. Ken Goffman e Dan Joy, no livro Contracultura Através dos Tempos, consideram que o estopim aconteceu quando o guru do LSD Timothy Leary (1920 -1996) e um colega foram expulsos da Universidade de Harvard, onde lecionavam, por conta de pesquisas com drogas psicoativas, em 1962.
A partir de então, drogas psicodélicas passaram a ser associadas à rebeldia e libertação das "amarras mentais de uma sociedade decadente". Sabia-se, então, muito pouco sobre os efeitos nocivos das drogas. A própria CIA, o serviço secreto americano, chegou a fazer experimentos para possível utilização em interrogatórios de presos.
O uso de substâncias químicas com fins de "expansão da consciência" não era bem uma novidade. Desde o século 19, escritores como Thomas De Quincey (1785-1859) e Charles Baudelaire (1821-1867) já escreviam sobre o consumo de entorpecentes como o ópio. Antes dos hippies, escritores beatniks como William Burroughs (1914-1997) e Allen Ginsberg (1926-1997), além de músicos de jazz, também compunham e escreviam sob efeito de alucinógenos.
Mas nada se compara com a abertura de uma demanda nos Estados Unidos, a partir da década de 1960, que abriu a rota da maconha, e da cocaína depois, vindas da América Latina, via fronteira mexicana. Como resposta, o governo deu início a uma política repressiva, com poucos resultados efetivos até hoje para conter o tráfico.
Jimi Hendrix, Janis Joplin e Jim Morrison |
Legado na internet
Cultura pacifista, ideais comunitários e socialistas, amor livre e liberação pelas drogas faziam parte da cartilha da contracultura. O massacre cometido pela Família Manson, ocorrido uma semana antes de Woodstock, era sinal de que os tempos estavam mudando.
O fim da Guerra do Vietnã, a politização dos movimentos pelos direitos civis, o controle do tráfico de drogas pelo crime organizado, o surgimento da Aids e a desilusão com as utopias levaram juntos os referenciais da cultura hippie.
Nos anos de 1990, foram realizadas outras duas edições do Festival de Woodstock. Tumultos e brigas, que contrastaram com o original, revelaram que se tratava apenas de um espectro agourento dos shows de "Paz e Amor".
Mas isso não significa que a juventude atual perdeu o interesse pela política ou pelos protestos sociais. Na sociedade globalizada, assuntos como ecologia e distribuição de renda mobilizam estudantes em todo o mundo. E qual é o maior legado da cultura hippie de Woodstock?
Segundo o professor Fred Turner, no livro From Counterculture to Cyberculture ("Da Contracultura à Cibercultura"), o ideal continua vivo, muito mais próximo que imaginamos - na internet.
A rede mundial de computadores foi desenvolvida durante os anos 1960 com investimentos militares e esforços de acadêmicos que respiravam a atmosfera da contracultura. Por isso, comunidades virtuais, como o Orkut, e a cultura do compartilhamento livre de arquivos de sites como o Pirate Bay seriam heranças dos hippies.
De certa forma, os ideais que embalaram os jovens em três dias de música, amor e paz em Woodstock continuam fazendo parte da juventude. Mesmo que seja dentro de uma floresta de bits.
Vídeo da apresentação lendária (do não menos lendário), Jimi Hendrix:
http://www.youtube.com/watch?v=KTDjzdhQ9Vw
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